Canto IV
Enquanto subíamos a encosta íngreme, uma sensação estranha tomava conta de mim, como se o tempo tivesse se dissolvido entre as rochas, evaporado junto à luz intensa que descia dos céus. Estava tão absorto na voz grave e calma do meu guia, tão fascinado pelas palavras que pareciam arrancar segredos do próprio tecido do universo, que não percebi a marcha do sol, já elevado a alturas que denunciavam a metade do dia. Apenas despertei desse transe quando, ao fim de um caminho estreito, as almas, dispostas em uma espécie de vigília silenciosa, clamaram ao mesmo tempo: “Aqui está o que procurais”.
Diante de nós, um desfiladeiro que lembrava a garganta de um animal selvagem se abria. Virgílio avançou com uma determinação quase sobre-humana, e eu o segui, sentindo que cada passo era um teste da minha fé e da minha resistência. A trilha parecia traçada não para pés humanos, mas para asas, como se apenas os que ardem em desejo puro pudessem galgar aquele labirinto de pedra. “Continue atrás de mim,” disse ele, sem sequer virar o rosto, “pois a esperança e a luz estão à frente.”
A subida se estreitava, obrigando-me a usar mãos e pés para não escorregar. O peso do corpo parecia dobrar, e por vezes temi não suportar. Quando chegamos ao topo de uma borda íngreme, exausto e com os pulmões ardendo, lancei a pergunta: “Mestre, para onde agora?”. Ele apenas respondeu, apontando a trilha que se perdia adiante: “Segue-me, sem hesitar. Este caminho não cede a indecisos. Logo encontraremos uma orientação mais clara.”
O cume à nossa frente parecia roçar o céu. A inclinação era tamanha que minha vista não alcançava o fim. Senti o cansaço pesar, e pela primeira vez, temi ficar para trás. “Pai amado,” implorei, a voz trêmula, “olha para mim… estou só, se parar agora.” Ele voltou-se, seus olhos carregando uma chama de firmeza: “Filho, vá. Ali adiante, onde a borda curva o monte, é o teu próximo repouso. Não desiste agora.”
Suas palavras me atingiram como uma lança de fogo. Juntei as últimas forças, escalando com mãos e pés até sentir sob meus pés a faixa de pedra que ele apontava. Sentamo-nos lado a lado, voltados ao leste, para o sol que já se erguia soberano. Olhei para baixo, para o mundo que deixávamos para trás, e depois ergui os olhos ao céu. A luz me tocava pela esquerda, e fiquei por um instante maravilhado, perplexo com aquele estranho alinhamento do sol e da terra.
Virgílio percebeu meu silêncio. “Estás confuso com a rota do astro, não é? Se os gêmeos do céu, Castor e Pólux, estivessem agora ao lado deste sol, verias o círculo rubro do Zodíaco girar mais estreito em torno das Ursas, não seguindo o curso que conheces.” Sua voz era calma, mas cada palavra parecia deslizar sob a superfície do real, abrindo um entendimento maior. De repente, percebi a lógica oculta que me escapava antes, e declarei: “Vejo agora com clareza onde meu intelecto falhava: este movimento celeste, que os homens chamam Equador, nunca abandona o equilíbrio entre sol e inverno. Aqui, porém, inclina-se ao norte, como outrora os hebreus o viam inclinar-se ao calor.”
Seguindo a trilha de pensamentos, perguntei: “Diz-me, mestre, quanto ainda devemos caminhar? Meus olhos já não alcançam o fim da subida.” Ele sorriu, um sorriso leve que parecia quebrar um peso invisível no ar. “Esta montanha, Dante, é dura apenas na base. Quanto mais subimos, mais suave se torna, até que chegará o momento em que subir será tão fácil quanto navegar com vento favorável. Esse será o sinal de que o teu esforço encontrou repouso.”
Assim que terminou de falar, uma voz ecoou próxima, cortando o silêncio: “Talvez tu queiras sentar um pouco antes de continuar.” Viramos ao mesmo tempo e vimos uma rocha projetando sombra sobre um pequeno grupo de almas. Uma delas chamou minha atenção: estava sentada, os braços abraçando os joelhos, o rosto mergulhado entre eles como se quisesse desaparecer do mundo.
“Mestre,” disse baixinho, “olha aquele que parece ser a própria imagem da negligência.” A alma ergueu o rosto, movendo-se com uma lentidão quase exasperante, e respondeu com um meio sorriso cansado: “Segue tu, que tens forças para subir.”
Meu coração apertou. Reconheci naquele instante o rosto de Belacqua, e minha fadiga se desfez por um momento. Fui até ele. “Belacqua,” disse, meio rindo, “não sinto mais pena de ti. Mas diz, por que estás sentado assim? Esperas algo ou apenas retomaste teus velhos hábitos?”
Ele ergueu os olhos, sua voz baixa e arrastada: “Ah, irmão… subir não me serviria de nada. O anjo do portão não me deixará passar até que eu tenha vagado aqui pelo tempo que desperdicei em vida. Só as orações daqueles que vivem em graça podem abreviar essa espera.”
Enquanto ele falava, Virgílio já me chamava, apontando o sol que tocava o zênite. “Vem, Dante. O meio-dia nos alcança, e a sombra do Marrocos já anuncia a noite em outros horizontes.”
Senti um arrepio. Era como se o tempo, antes despercebido, tivesse agora um peso real, medido não em horas, mas em decisões, em passos, em escolhas que não podiam mais ser adiadas. Olhei uma última vez para Belacqua, para sua figura imóvel, e voltei a subir, seguindo meu guia, com o coração marcado pela certeza de que cada instante naquele monte era uma lição de eternidade.