Canto III
A fuga súbita daqueles espíritos assustados ainda ecoava na planície quando me aproximei de Virgílio, meu guia, minha âncora nesse mar de incertezas. Sem ele, como escalaria aquela montanha íngreme? Como enfrentaria as sombras do Purgatório sozinho? Ele, porém, parecia consumido por um remorso silencioso, seus passos antes apressados agora contidos pela dignidade que sempre o caracterizara. Oh, consciência nobre e pura, como até o mais ínfimo erro te fere com amargura!
Enquanto ele diminuía o ritmo, minha mente, antes contraída pelo medo, expandiu-se novamente, ávida por compreender. Ergui os olhos para o pico da montanha, que se perdia nas alturas como um desafio ao céu. O sol, rubro e flamejante atrás de nós, projetava minha sombra à frente, quebrada pela figura de Virgílio—único obstáculo entre a luz e a terra.
Voltei-me de repente, um frio percorrendo-me a espinha ao pensar que ele pudesse ter desaparecido. A paisagem à minha frente estava vazia, escura.
—Por que você ainda tem toda essa dúvida? — sua voz soou firme, e quando meus olhos o encontraram, vi nele a mesma segurança de sempre. —Não acredita que estou contigo o tempo todo e que sou teu guia?
Ele então revelou o que eu, em meu temor, havia esquecido: seu corpo jazia em Nápoles, longe dali, arrancado da vida em Brindisi. A sombra que eu via não era dele, pois os espíritos não a projetam—assim como os céus não impedem que a luz de um astro alcance o outro.
—Louco é quem espera que a razão humana desvende o infinito caminho da Trindade — continuou, sua voz carregada de uma gravidade que me fez calar. —Que os mortais se contentem com o que recebem. Se vocês pudessem ver tudo, não haveria necessidade da graça divina. Até os maiores pensadores—Aristóteles, Platão—agora carregam o luto da sabedoria incompleta.
Seu rosto escureceu, e ele calou-se, mergulhado em pensamentos sombrios. Avançamos então até a base da montanha, onde a rocha se erguia tão abrupta que nenhum músculo humano, por mais ágil, a venceria sem ajuda. Entre Lerici e Turbia, os penhascos mais selvagens do mundo seriam uma escada comparados àquela parede.
—Agora quem por aqui saberia dizer onde que esse barranco fica mais fácil de subir? — Virgílio ponderou, os olhos fixos no chão enquanto buscava uma solução.
Foi então que os vi—figuras pálidas aproximando-se à esquerda, movendo-se com uma lentidão quase cerimonial, como se cada passo fosse um ato de devoção.
—Mestre, olhe! — apontei, esperançoso. —Talvez eles possam dar alguma informação para nós.
Virgílio ergueu o olhar e, com um gesto sereno, decidiu:
—Muito bem, meu filho. Vamos segui-los, e tenha fé que vamos conseguir alguma informação.
Ainda estavam distantes—mil passos, talvez—quando, de repente, pararam. Alguns recuaram, confusos. Percebi então: minha sombra, projetada no chão, os assustara.
—Não fiquem impressionados — Virgílio explicou, sua voz ecoando como um decreto. —Este que está aqui comigo ainda está vivo. Mas não é sem a graça do céu que ele busca superar esta barreira.
As almas, agora compreendendo, fizeram um gesto curioso: viraram-se e, com as costas das mãos, nos convidaram a segui-las, como quem abre um caminho sagrado.
Um deles, porém, destacou-se. Louro, de feições nobres, mas com uma cicatriz cortando uma das sobrancelhas, fitou-me intensamente.
—Por favor, olha pra mim — pediu. —Me fale: já me viu enquanto eu estava vivo?
Neguei com um gesto humilde, e ele, sorrindo, mostrou-me uma ferida no peito.
—Eu sou Manfredi — declarou, seu nome carregando o peso de uma história que eu mal podia imaginar. —Neto da imperatriz Constança. Quando voltar pro mundo dos vivos, procura pela minha filha, herdeira da honra da Sicília e Aragão. Diz pra ela que mesmo com meus pecados terríveis a misericórdia divina me acolheu naquele momento, quando tomei aquelas facadas mortais. Nesse momento eu me entreguei à nossa Mãe Santíssima enquanto me derramava em lágrimas.
Seu sorriso era triste, mas não desesperado.
—O pastor de Cosenza, enviado pelo Papa, não entendeu isso. Se tivesse, meus ossos ainda repousariam em Benevento, sob a guarda daquela velha ponte. Em vez disso, a chuva os lava agora perto do rio Verde, longe de meu reino.
Mas sua voz não carregava rancor.
—Nenhuma maldição é tão forte que o Amor Eterno não possa revertê-la, enquanto houver um lampejo de esperança.
Contudo, sua expiação ainda não terminara. Por ter morrido em excomunhão, mesmo arrependido, deveria esperar trinta vezes o tempo de sua rebeldia antes de prosseguir.
—Agora compreende? — seus olhos brilharam. —Assim vai poder trazer alegria à minha Constança. Fale pra ela que me viu aqui, e peça que ela ore por mim, afinal aqui muito se ganha com as orações dos vivos.
Essa foi a explicação de Manfredi sobre como o tempo de espera daquelas almas pode ser reduzido sempre que os vivos oram por eles, a qual eu ouvi atentamente.
Assim, enquanto as almas retomavam sua marcha lenta, fiquei ali, com suas palavras ecoando em mim—um testemunho de que nem mesmo os mais perdidos estão além do alcance da redenção.