Canto VI

A alma do imperador Justiniano fala ao poeta, narrando-lhe a história do Império, de Enéias a César, a Tibério, a Tito, a Carlos Magno, para mostrar-lhe a santidade da autoridade imperial. Diz-lhe que, no Céu de Mercúrio, estão os espíritos daqueles que se esforçaram para conseguir fama imortal. Discorre-lhe acerca de Romeu, que administrou a corte de Raimundo Berengário, conde de Provença.


Eu estava completamente absorto no cenário celestial que se desdobrava diante de mim. A cada instante, novas surpresas surgiam na vastidão do Paraíso, como se o próprio cosmos se revelasse em formas e cores além da compreensão humana.

Então, do nada, ele apareceu — uma figura imponente, que emanava autoridade e poder, como se toda a história do Império Romano estivesse condensada em sua presença.

A voz grave e firme dele preencheu o espaço ao nosso redor, rompendo o silêncio profundo.

— Eu fui César, e sou Justiniano.

O nome ressoou em minha mente como o eco de uma época de glória. Senti o peso das palavras, não apenas pela importância histórica, mas pelo significado profundo que carregavam. Sua missão, como começou a explicar, era clara: reordenar as leis, purificando-as da confusão e do excesso.

Mas o que realmente me prendeu foi o brilho nos olhos dele — um brilho de redenção pessoal. Um dos maiores líderes da história confessava uma falha de fé.

— No início, acreditei que Cristo possuía apenas uma natureza. Foi Agapito, o Papa abençoado, quem me guiou de volta à fé verdadeira.

Enquanto ele falava, a paisagem ao redor parecia reagir às suas palavras. Cada parte da narrativa trazia novos cenários, como se as histórias ganhassem forma diante de nós. Ele descreveu com precisão a saga da águia romana, o símbolo sagrado do império que governou o mundo por séculos.

Do extremo da Europa, ele me levou por montanhas e vales do continente, onde o poder de Roma havia se estendido.

— Entreguei as armas a Belisário, o grande general.

As batalhas, o sangue, as conquistas — tudo isso se desenrolava diante de mim. Mas o que mais me marcou foi a forma como ele, em meio a tudo, encontrou paz ao aceitar seu papel histórico e dedicar-se ao direito.

A narrativa se aprofundou ainda mais. Ele falou sobre a justiça divina que o impulsionava, como se o próprio céu conspirasse para inspirá-lo a criar uma ordem perfeita — uma justiça que transcendesse a mortalidade.

Revivemos o triunfo de Roma sobre Breno, Pirro e tantos outros inimigos. A cada nome, era como se as sombras daqueles líderes e guerreiros pairassem à nossa volta.

Então, o tom mudou.

— Olhe para o que aconteceu quando o terceiro César tomou o poder.

Havia tristeza em sua voz.

— O mundo vivia sob a justiça viva, mas a vaidade e a corrupção do poder humano distorceram tudo.

Senti o peso da revelação. O arrependimento era nítido.

A conversa deu outra guinada com a lembrança de Tito.

— Com ajuda divina, ele vingou o povo de Deus.

E seguiu:

— Quando a Igreja esteve sob ataque dos bárbaros lombardos, foi Carlos Magno quem, com coragem e fé, salvou o símbolo sagrado.

A emoção em sua voz era clara. Esse era o centro da narrativa: a luta para preservar a justiça divina em um mundo imperfeito.

Quando falou sobre os Gibelinos e Guelfos, o caos dessas disputas ficou visível em minha mente. O símbolo sagrado distorcido para fins pessoais. A perturbação dele aumentava.

— Eles não lutavam por justiça, mas por interesses mesquinhos.

A voz dele se elevou.

— Erraram, todos eles. Traíram o propósito divino.

Por fim, ele compartilhou uma última história: Romeo. Um homem simples, de grande mérito, cuja lealdade foi paga com ingratidão. A injustiça dessa história me atingiu em cheio.

— Mesmo assim, a justiça divina prevalecerá. Mesmo que, aos olhos humanos, tudo pareça caos.

Ele se afastou lentamente. Sua luz foi desaparecendo. Não era só a história do Império Romano que ele havia contado. Era a história do conflito eterno entre poder e justiça, entre glória e redenção.

No silêncio que ficou, a mensagem dele permaneceu: A justiça, mesmo obscurecida, sempre encontra seu caminho. E o poder, por mais forte que pareça, nunca supera a vontade de Deus.