Canto XXXIII
São Bernardo pede à Virgem Maria que conceda a Dante contemplar a Deus. O poeta vê um tríplice círculo no qual está revelada a Trindade divina. No círculo médio, vê figurada a efígie humana. No espírito de Dante, se forma o desejo de conhecer o modo da união da natureza divina com a humana. Um repentino esplendor lhe revela o mistério da encarnação de Cristo; e aqui termina a sublime visão.
Eu estava ali, diante do ápice de toda a jornada, sentindo o peso do destino que me guiava desde as profundezas até a luz mais pura e inalcançável. A emoção era avassaladora, mas não de um tipo que esmagava o espírito, e sim o elevava, como se uma força invisível e inegável estivesse abrindo caminho em minha alma, aproximando-me do incompreensível. Bernardo, ao meu lado, observava-me em silêncio, como um guia que conhece os segredos deste mundo, mas sabe que certas verdades só podem ser alcançadas sozinho. Ele sorriu suavemente, encorajando-me a levantar os olhos mais uma vez, e eu o fiz, tomado por uma curiosidade que ultrapassava qualquer desejo que já tivera na vida.
A figura de Maria, a Virgem Mãe, tomou o centro de meus pensamentos. Sua presença irradiava uma compaixão indescritível, algo que transcendia o físico e o espiritual. As palavras de Bernardo ecoaram com reverência, enquanto ele se dirigia àquela que, humildemente, se tornara o portal da redenção humana. “Virgem Mãe, filha de teu Filho,” ele começou, e cada sílaba era carregada de uma profundidade mística, como se as próprias leis do universo ressoassem em sua voz. “Você, que elevou a natureza humana a um nível tal que o Criador não hesitou em tornar-se uma criatura.” A gratidão que ele sentia era palpável. Era a intercessora suprema, a ponte entre o mortal e o divino. A esperança dos mortais, o calor da caridade, tudo refletido em sua figura serena.
Enquanto Bernardo continuava, uma sensação de paz, ainda que carregada de expectativa, se apoderou de mim. A sua súplica, destinada a libertar-me das últimas sombras de mortalidade, era clara. Ele implorava que eu pudesse ver além, enxergar com os olhos purificados, a fim de que o supremo prazer do céu se revelasse completamente diante de mim. A urgência de suas palavras não era pela própria redenção, mas por minha completa compreensão da visão divina. O destino de minha alma estava, naquele instante, nas mãos de Maria.
Seus olhos, repletos de amor e compreensão, permaneceram fixos em mim por um breve momento, tempo suficiente para que eu entendesse a profundidade de seu acolhimento. Então, ela olhou para o brilho eterno, como que conectando-se à fonte de todo ser, algo além de qualquer compreensão mortal. Eu senti o calor de uma revelação próxima, o desejo ardente de ver o que estava além, algo que, até então, parecia inalcançável.
Bernardo, percebendo minha disposição, fez um leve gesto com a cabeça, indicando para que eu erguesse o olhar, e quando o fiz, algo indescritível aconteceu. Minha visão, até então limitada, começou a penetrar cada vez mais profundamente na luz, como se uma barreira invisível houvesse sido removida. Quanto mais eu olhava, mais a luz parecia verdadeiramente viva, pulsando com uma verdade que palavras humanas jamais poderiam descrever. O calor daquela luz envolveu-me por completo, e, com cada segundo que passava, a memória e a linguagem começavam a se desfazer sob a força da experiência. As palavras que outrora me guiavam agora falhavam em capturar a totalidade daquilo que via.
Era como um sonho do qual se recorda apenas a sensação, mas a visão em si foge. Eu estava imerso em uma paz tão vasta e intensa que cada fibra de meu ser parecia absorver aquele momento, e ainda assim, a natureza exata do que testemunhei começava a se desvanecer. Um calor doce preenchia meu coração, como o toque do sol derretendo a neve, e eu percebia que as verdades daquela luz eterna estavam além do que qualquer mente humana poderia reter.
Então, algo mais grandioso se revelou. Na vastidão daquela luz, eu vi três círculos, cada um de uma cor distinta, mas entrelaçados de uma maneira que fazia parecer que um refletia o outro, como o arco-íris dentro do arco-íris. E o terceiro círculo irradiava uma chama que pulsava de ambos os lados. Eu sabia que estava diante de um mistério muito maior do que poderia entender, mas uma pequena fagulha de compreensão começou a se formar. Dentro do círculo mais íntimo, algo inesperado apareceu: a imagem de nossa própria humanidade, refletida de alguma maneira naquela luz divina. Eu queria desesperadamente entender como aquilo era possível — como o finito podia ser contido dentro do infinito — mas quanto mais tentava compreender, mais me escapava.
Assim como um geômetra que tenta, sem sucesso, medir o círculo perfeito, eu estava à beira de uma compreensão maior, mas não conseguia alcançar completamente. De repente, um lampejo de iluminação, como um raio, atravessou minha mente, e tudo se tornou claro por um breve instante. A visão foi tão intensa que senti minha mente tremer, incapaz de sustentar tamanha verdade.
A energia que move o sol e as estrelas, o amor puro e indestrutível, revelava-se em sua totalidade. E naquele momento, toda a minha vontade se uniu a ele, assim como os planetas seguem seu curso imutável. Eu não era mais apenas um observador. Eu era parte do movimento eterno, movido pela força que governa o cosmos. E, finalmente, compreendi que esse amor é o princípio e o fim de tudo que existe.