Canto XXXII
São Bernardo esclarece a Dante a composição da rosa do Paraíso. De um lado estão os santos cristãos; do outro, os hebreus que acreditaram no Cristo que devia vir. Entre uns e outros, a Virgem Maria. Embaixo de Maria, mulheres hebraicas; mais embaixo, as crianças mortas logo depois do batismo.
Eu estava ali, extasiado pela visão, quando aquele guia, sempre atento aos meus questionamentos internos, assumiu novamente o papel de mestre. Ele iniciou sua explicação com palavras que ressoavam como a mais pura verdade: “A ferida que Maria curou, aquela que tão graciosamente se senta aos seus pés, foi aberta pela mulher que ali está, a mesma que a causou. E, no degrau abaixo dela, você vê Raquel, ao lado de Beatriz, como já pode perceber.” Eu escutava, tentando absorver o significado mais profundo de suas palavras, enquanto meus olhos percorriam as figuras que ele apontava. “Ali estão Sara, Rebeca, Judite e a bisavó daquele que, pela dor do pecado, clamou ‘Miserere mei’. Elas, junto com outras almas, descem como uma escada de flor em flor, de degrau em degrau, até onde o olhar humano pode alcançar.”
Minha mente vagava pelas histórias de cada uma dessas mulheres, que, mesmo em suas vidas terrenas, já eram cercadas de significados profundos. E ali, naquele jardim celestial, suas posições eram como um reflexo de sua fé. “Essas almas”, continuou ele, “descem em ordem, de acordo com o grau de sua crença em Cristo, aquele que estava por vir. Do outro lado, aqueles que creram nele após sua vinda ocupam seus lugares, e todos, de alguma forma, compartilham deste glorioso banquete. Este arranjo divino”, ele explicou, “não é por acaso, pois tudo aqui tem um propósito, cada alma está onde deve estar, refletindo a profundidade da graça que lhe foi concedida.”
As palavras dele eram claras, mas havia algo que ainda não compreendia completamente. Percebendo minha dúvida, ele acrescentou: “Essas almas, especialmente as que estão nos níveis inferiores, foram salvas não por seus próprios méritos, mas pelos méritos de outros, como foi estipulado antes de suas próprias escolhas serem possíveis. Se você observar bem seus rostos e vozes, verá que ainda carregam a inocência de uma infância eterna.” Eu me deixei levar por essas revelações, tentando assimilar o que me era mostrado. “Agora, olhe para o alto”, ele ordenou, “pois ali está aquela cuja face mais se assemelha a Cristo, e só ela pode prepará-lo para ver o próprio Salvador.”
Olhei para onde ele apontava e fui inundado por uma visão de alegria tão pura e vibrante que mal pude respirar. Em torno dela, as almas santas cantavam louvores, e o amor que preenchia o ar era palpável. “Pai santo”, perguntei, minha voz carregando o peso de tudo o que eu tinha presenciado, “quem é aquele anjo que olha para nossa rainha com um fervor que parece em chamas?” Ele sorriu, respondendo com a sabedoria de quem já viu todas as respostas. “Aquele é o mensageiro que trouxe a palma a Maria quando o Filho de Deus escolheu carregar a carne humana.”
Conforme ele falava, comecei a reconhecer as figuras ao redor. “Aquele que se senta à esquerda é o pai da humanidade, cujo erro todos nós amargamente carregamos. E à direita, o grande patriarca da Igreja, aquele a quem Cristo confiou as chaves deste reino celestial. Veja, a seu lado, outros grandes líderes espirituais, todos reunidos em honra de suas vidas dedicadas ao serviço divino.” A visão era de uma grandiosidade que transcendia o entendimento humano. Cada rosto, cada alma, brilhava com uma luz que não era deste mundo.