Canto XXXI
Enquanto Dante contempla a rosa do Paraíso, Beatriz sobe e vai ocupar o lugar que lhe pertence, no meio dos bem-aventurados. São Bernardo é o último guia de Dante. Ele lhe indica a Virgem Maria, toda brilhante de luz celeste.
Enquanto eu caminhava pelas profundezas dos meus pensamentos, o Paraíso começou a se revelar diante de mim como uma rosa branca imaculada, com cada pétala irradiando uma luz celestial, onde a hoste santa que Cristo escolheu como sua esposa vibrava em um esplendor que eu mal podia descrever. Era como se toda a criação estivesse unida ali, em um só movimento de devoção e adoração, em uma harmonia que transcende o que qualquer alma poderia imaginar.
Acima de mim, multidões de anjos cantavam, voando como abelhas que se movem de flor em flor. Eles desciam do grande cálice celestial, suas asas batendo em um ritmo sincronizado, emanando uma luz dourada enquanto pairavam sobre nós, uma energia pulsante em cada um de seus movimentos. Como um exército divino, seus olhos queimavam com o fogo do amor eterno e suas vestes eram tão brancas que faziam a neve parecer pálida em comparação. Desciam ao grande florescimento do Paraíso, tocando suavemente cada camada de pétalas, e em seguida, retornavam às alturas, para o ponto mais próximo de Deus. Seus voos, sua presença, não interrompiam de forma alguma a visão que se estendia diante de mim, pois a luz divina atravessava tudo, intocada e penetrante, como se estivesse alinhada com cada coração e pensamento daquele lugar.
Minha mente fervilhava com a imensidão do que eu estava testemunhando. Eu, que fui tirado das limitações do tempo e da carne, que abandonei as sombras da minha cidade de Florença, agora me via entre almas justas e puras. Minha mente estava tomada por um espanto absoluto. Se os antigos bárbaros, ao verem Roma pela primeira vez, ficaram deslumbrados com a majestade do Laterano, então o que eu deveria sentir agora, diante dessa glória celestial? Eu estava além do êxtase, além das palavras, apenas contemplando, como um peregrino que finalmente chega ao templo de sua devoção. Meus olhos vagavam pelo Paraíso, subindo e descendo, absorvendo cada detalhe dessa luz viva que me envolvia.
Os rostos que me rodeavam irradiavam caridade, enfeitados pela luz divina e um sorriso que resplandecia com a pureza de suas almas. Cada movimento, cada olhar, cada gesto, carregava uma graça infinita. Eu tentei capturar com os olhos toda a forma do Paraíso, absorver sua vastidão, mas minha mente permanecia suspensa, cheia de perguntas, ansiando por entender o que minha alma contemplava.
Foi então que, com o coração acelerado, virei-me para procurar por ela. “Onde está Beatriz?” minha voz saiu como um sussurro ansioso. Mas ao invés de encontrar seu olhar, vi diante de mim um ancião venerável, vestido com a glória daqueles ao seu redor. Sua face irradiava uma alegria paternal, acolhedora, como a de um pai amoroso. “Ela me enviou para guiar seu caminho,” disse ele suavemente. “Se você olhar para o círculo mais alto, encontrará Beatriz em seu trono, coroada com os raios eternos que refletem a glória de sua alma.”
Sem hesitar, levantei meus olhos e, lá no alto, envolta em luz eterna, vi Beatriz. A distância era imensa, mas não importava. Sua imagem, sua essência, estava clara e brilhante, sem nenhum obstáculo entre nós. Eu fiquei ali, com o coração preenchido pela reverência e pela gratidão. “Ó mulher, em quem reside toda a minha esperança,” comecei, sentindo uma onda de emoções me inundar, “tu, que por minha salvação desceste ao Inferno e deixaste tuas marcas, reconheço em ti toda a graça e virtude que me guiaram até aqui. Foste tu que me libertaste de minhas amarras, mostrando todos os caminhos possíveis para a redenção. Que tua magnificência continue a me proteger, para que, quando minha alma deixar este corpo, possa ser agradável a ti.”
Ela sorriu para mim de onde estava, tão longe e ainda assim tão próxima, e então, em um movimento suave, retornou à eterna fonte da qual emanava sua luz.
O ancião ao meu lado, que soube ser São Bernardo, se aproximou e disse: “Agora, filho, para que seu caminho se complete, levante seus olhos novamente, olhe ao redor deste jardim celestial. A visão deste lugar fortalecerá seu olhar para o caminho que ainda está por vir, para que você possa ascender mais ainda pela luz divina. E não se preocupe, a rainha dos céus, por quem sou consumido de amor, nos concederá todas as graças necessárias.”
Enquanto Bernardo falava, senti algo dentro de mim crescer, uma chama que me impulsionava a buscar mais. Levantei os olhos, deixando que eles vagassem pelas fileiras angelicais, onde mais de mil deles voavam, cada um irradiando uma beleza única e resplandecente. No centro daquela luz divina, vi uma figura de uma beleza indescritível, uma presença que causava alegria a todos os santos que a cercavam. E, por um momento, a visão dessa beleza, do amor que ali residia, foi mais do que qualquer palavra poderia transmitir.
Bernardo, percebendo a intensidade do meu olhar, fixou os seus olhos em mim, enchendo-me com ainda mais ardor, como se quisesse que eu mergulhasse ainda mais fundo na luz que agora me envolvia.