Canto XXX
Os nove coros angélicos vão desaparecendo aos poucos. Dante volta os olhos novamente para Beatriz, cuja beleza é agora tão maravilhosa que ele renuncia a descrevê-la. Eles estão no Empíreo, e Dante vê um rio de luz, cujas ribas estão esmaltadas com flores. Do rio saem centelhas que formam flores e depois voltam para as ondas. Por fim, vê uma grande rosa de luz, na qual aparecem anjos e os bem-aventurados. No meio, há um trono preparado para o imperador Henrique VII.
Eu me encontrava perdido em pensamentos, refletindo sobre os milhares de passos que havia dado para chegar até ali. Era como se o mundo à minha volta estivesse imerso em sombras suaves, e o sol, alto no céu, começava a ceder à sua força. A luz tornava-se mais fraca, e as estrelas, antes cintilantes no firmamento, pareciam ser consumidas por uma escuridão pacífica. O céu, antes límpido, agora parecia fechar-se em camadas, ocultando os segredos mais profundos, conforme uma após a outra as visões se desvaneciam diante dos meus olhos.
Foi nesse momento que algo mudou. O triunfo celestial, um brilho constante em torno de um ponto tão distante e poderoso que me superava, começou a perder sua intensidade. Como se algo dentro de mim ordenasse, eu instintivamente voltei meus olhos para Beatriz. Ela estava ali, sua presença irradiava uma beleza além de qualquer descrição possível. Mesmo que eu pudesse cantar louvores a ela por toda a eternidade, nenhuma palavra seria suficiente para captar a plenitude de sua perfeição. O que eu via transcendia a realidade; era uma beleza reservada somente para o Criador, aquele que havia moldado tal esplendor.
Minha mente, incapaz de compreender tal visão, cedia, vencida pela majestade daquele momento. E mesmo enquanto tentava recordar aquele sorriso, era como se minha própria mente me traísse, deixando-me atordoado, quase fora de mim. Desde o dia em que a vi pela primeira vez, até este exato momento, meu canto nunca foi tão fiel ao que eu realmente sentia. No entanto, agora, eu sabia que não poderia seguir adiante, não poderia continuar a descrever sua beleza com palavras. Assim como o artista atinge o limite de sua habilidade, eu também me via forçado a parar.
Beatriz, então, tomou a palavra novamente, sua voz calma e firme. “Nós saímos do maior dos corpos,” disse ela, enquanto seu olhar se dirigia ao alto, “ao céu onde a luz é pura.” Luz, eu pensava. Essa era a chave para tudo o que havíamos experimentado. A luz intelectual, a luz do verdadeiro bem, que brilha através do amor e traz uma alegria além de qualquer doçura terrena. “Aqui,” ela continuou, “você verá as duas milícias do paraíso, e o destino final da justiça divina.”
Enquanto suas palavras ecoavam em minha mente, uma luz intensa me envolveu, tão brilhante e viva que cegou meus olhos. Por um momento, nada era visível, como se o mundo inteiro estivesse envolto em um véu de esplendor. A luz parecia me consumir, e eu senti como se estivesse sendo elevado, superando meus próprios limites.
Quando finalmente recuperei minha visão, vi diante de mim um rio de luz, brilhante como o ouro mais puro. Suas margens estavam adornadas com flores de uma beleza indescritível, como se a primavera eterna houvesse tomado forma ali. Fagulhas de luz saltavam do rio, dançando no ar antes de mergulharem novamente na água, como rubis envoltos em ouro, cada uma dessas faíscas parecendo viva, embriagada pelos perfumes das flores. Eu assistia, maravilhado, enquanto uma fagulha desaparecia no rio, e outra emergia em seu lugar, como em um ciclo sem fim.
Beatriz, com um olhar de compreensão, voltou-se para mim. “O desejo que te inflama agora, de entender o que vês, me agrada mais do que posso expressar,” disse ela, sua voz suave e reconfortante. “Mas para saciar essa sede, você deve primeiro beber dessa água.”
Sem hesitar, ajoelhei-me diante do rio, como uma criança ansiosa pelo leite que foi negado por tanto tempo. A água tocou meus olhos, e naquele momento algo mudou. O mundo ao meu redor pareceu se transformar, as flores e as faíscas de luz tornaram-se ainda mais nítidas, mais vívidas, como se o próprio paraíso estivesse se desvelando diante de mim.
Então, Beatriz falou novamente. “Vê, o esplendor que ilumina este reino,” ela disse, apontando para as legiões de almas que habitavam o paraíso. “E ali, naquele grande trono, que aguarda sua chegada, sentará a alma do grande Henrique, aquele que corrigirá os erros da Itália antes que ela esteja pronta.”
Enquanto ela falava, vi mais claramente o esplendor da rosa eterna, sua fragrância sutil preenchendo o ar com louvor ao sol eterno. Beatriz, sempre serena, observou o grande círculo das almas vestidas de branco, suas vozes elevando-se em harmonia celestial. “Veja,” disse ela, “nossa cidade celestial, já tão cheia, que poucos mais são esperados.”
A medida em que ela falava, meus olhos voltaram-se ao trono onde o destino de Henrique seria selado. E, enquanto observava, percebi que este reino, tão vasto, tão além da compreensão mortal, era um lugar onde o tempo e o espaço não importavam, onde a justiça divina governava diretamente, sem intermediários.