Canto XXV
São Tiago examina o Poeta sobre a Esperança, perguntando em que ela consiste, se ele a possui e de onde veio nele. À segunda pergunta responde Beatriz; às outras duas responde Dante. Aproxima-se S. João Evangelista e diz a Dante que o seu corpo, apesar da comum opinião, morrendo, ficara na Terra.
Tudo ao meu redor parecia girar lentamente enquanto a luz celestial me envolvia. As palavras de Beatriz, doces como o som do vento que acaricia as folhas de uma árvore, ainda ecoavam na minha mente. Ela estava ao meu lado, sorrindo com uma serenidade que só aqueles que transcenderam os tormentos do mundo podem expressar. Sua presença era um lembrete constante de que eu estava além dos limites terrenos, em um reino onde as emoções mais profundas encontravam seus significados verdadeiros. O ar estava carregado com uma energia que eu mal conseguia entender, mas que me preenchia de esperança e uma curiosidade insaciável.
“Se algum dia o poema sagrado, ao qual céu e terra puseram suas mãos, vencer a crueldade que me separa do belo rebanho onde eu dormi como cordeiro, eu retornarei como poeta com outra voz e outro manto”, pensei, enquanto olhava ao redor, percebendo a vastidão do Paraíso. O sacrifício dos anos, a dor que consumira meu corpo, tudo isso parecia distante agora, como uma lembrança borrada de um passado que não era mais relevante. Minhas palavras vinham carregadas de uma emoção que eu não conseguia conter, um desejo profundo de redenção e libertação, uma vitória sobre as sombras que antes me oprimiam.
Nesse momento, um brilho intenso rompeu a escuridão, e a voz de Beatriz, agora cheia de alegria, chamou minha atenção: “Olha, olha!”, ela exclamou. “Eis o barão por quem lá embaixo se visita Galícia!” Sua felicidade era palpável, quase contagiante, e meus olhos seguiram sua direção. Vi uma luz se aproximando de nós, suave e acolhedora, como o voo de um pombo que, ao encontrar seu par, se curva com afeto, rodopiando no ar. Era uma visão de puro regozijo e harmonia, e eu me senti pequeno diante de tal grandeza.
Os dois grandes príncipes, esses seres gloriosos, se acolheram com reverência mútua, louvando o alimento espiritual que os saciava naquele plano elevado. Mas logo, o momento de celebração deu lugar ao silêncio, e ambos se postaram diante de mim, seus rostos flamejando com uma intensidade tão deslumbrante que eu mal conseguia sustentar o olhar. Beatriz, sempre minha guia, sorriu para mim novamente e, com uma leveza própria dos anjos, falou: “Ó vida ilustre, por quem as generosidades de nossa Basílica foram escritas, faz ressoar a esperança nestes altos céus. Você, que tantas vezes a personificou, conhece o carinho especial que Jesus reservou aos seus três mais amados.”
Levantei a cabeça, sentindo o peso de suas palavras, e a segunda luz, ainda mais radiante que a primeira, me reconfortou: “Levanta a cabeça e segura a tua confiança. O que chega até aqui do mundo mortal precisa amadurecer sob nossos raios”. Suas palavras vibraram dentro de mim, enchendo meu espírito de uma força renovada. Levantei meus olhos, antes curvados pelo peso do medo e da dúvida, e observei as alturas que me aguardavam.
Olhando diretamente para a chama divina, ouvi novamente a voz, firme e gentil: “Já que, por graça, te foi permitido enfrentar o nosso Imperador, antes mesmo da morte, no salão mais secreto de seus escolhidos, deves compartilhar conosco o que é a esperança e de onde ela floresce em ti”. Beatriz, como sempre, soube exatamente o que fazer. Ela me antecipou, respondendo por mim: “A Igreja militante não possui filho com maior esperança do que ele, como está escrito no Sol que ilumina todos nós. Por isso, a ele foi concedido vir do Egito a Jerusalém para ver, antes que a guerra termine para ele.”
Senti o olhar de todos sobre mim. A luz, a verdade, o amor irradiando de cada palavra dita. E, como um aluno diante de seu mestre, comecei a falar, sabendo que cada sílaba deveria ser uma confissão da minha alma: “Esperança é uma expectativa certa da glória futura, que é produzida pela graça divina e pelo mérito precedente. Essa luz, que brilha dentro de mim, veio de muitas estrelas, mas foi o grande cantor do divino líder quem primeiro a destilou no meu coração.” Eu falava com segurança, mas dentro de mim, tremia de reverência.
Enquanto eu pronunciava essas palavras, o fogo dentro da luz diante de mim começou a piscar com uma intensidade inesperada, como um relâmpago cruzando o céu. Então, a voz ressoou mais uma vez, cheia de amor e paixão: “O amor que me inflama por essa virtude que me seguiu até a palma da vitória quer que eu respire em ti. Diga-me o que a esperança te promete.”
Respirei fundo, sentindo o peso da pergunta, mas também a confiança que me fora dada. Respondi com sinceridade: “As novas escrituras e os textos antigos apontam o caminho. Isaías diz que cada alma será vestida com uma dupla veste, e essa veste é esta doce vida.” O silêncio que se seguiu foi quebrado apenas por um cântico suave que ressoava ao nosso redor, enquanto outro brilho se intensificava entre as luzes.
A cada instante, eu sentia que estava mais perto da verdade, da essência do Paraíso. As estrelas, os cânticos, o amor divino, tudo parecia se unir em uma única sinfonia, uma dança de luz e som que transcende qualquer coisa que o mundo mortal possa entender. Beatriz, sempre ao meu lado, permanecia em uma calma silenciosa, como uma noiva esperando o momento certo para falar. E então, a voz final ecoou, me trazendo de volta à realidade: “Na terra, meu corpo permanece, aguardando o tempo até que o número dos eleitos se complete.”
As palavras finais se dissiparam no ar, e o giro flamejante ao nosso redor se aquietou, como remos que repousam após uma longa jornada no mar. Fui tomado por uma profunda emoção, algo que transcendeu as palavras. Ao me virar para Beatriz, esperando vê-la em toda a sua glória, fui surpreendido pela minha própria incapacidade de vê-la. Eu estava tão perto dela, e ainda assim, incapaz de alcançá-la plenamente. Ali, naquele mundo de felicidade eterna, compreendi que a verdadeira visão viria não dos meus olhos, mas do meu coração.