Canto XXIV
Beatriz roga aos santos que iluminem o intelecto de Dante. Eles manifestaram o seu assentimento. O mais luminoso entre os santos, São Pedro, aproxima-se do poeta e o interroga sobre a fé. O apóstolo aprova inteiramente as respostas de Dante e o abençoa, cingindo-o três vezes com o seu esplendor.
Eu me encontrava em um estado de êxtase ao lado de Beatriz, minha guia e luz nesse caminho celestial, quando ela, com seu olhar cheio de sabedoria e ternura, se dirigiu ao círculo de almas radiantes à nossa frente. “Ó irmãos eleitos para a ceia celestial do Cordeiro bendito, aquele que vos alimenta de tal modo que vossa fome jamais é insaciada”, disse ela, sua voz suave reverberando pelo espaço etéreo. “Por favor, considerem a graça que lhe foi concedida, permitindo-lhe provar um pouco do que cai da vossa mesa antes que o tempo de sua morte chegue. Observem seu imenso desejo e ofereçam-lhe um pouco da vossa sabedoria; vós que bebestes eternamente da fonte de onde emanam seus pensamentos.”
Assim que suas palavras foram pronunciadas, as almas, cada uma brilhando como estrelas fixas nos céus, começaram a mover-se em torno de nós, formando esferas de luz que dançavam como cometas. Eu observava, deslumbrado, como essas chamas divinas giravam com uma precisão graciosa, cada uma se movendo com ritmos diferentes, algumas mais rápidas, outras mais lentas, como se estivessem a orquestrar uma dança cósmica em perfeita harmonia. Entre todas essas luzes, uma em particular chamou minha atenção. Ela reluzia com um brilho tão puro e vibrante que ofuscava as demais, e foi essa que se aproximou de Beatriz, girando ao seu redor três vezes enquanto entoava um cântico tão divino que minha mente, incapaz de reter toda a sua beleza, simplesmente não pôde reproduzir.
O fogo sagrado que emergiu dessa luz benéfica parecia ter se desprendido de sua forma celestial apenas para dirigir-se a mim. “Ó minha irmã santa, que intercede com tanta devoção, libera-me desta esfera abençoada, por causa de teu fervoroso amor.” As palavras, ditas com tamanha reverência, vieram da alma flamejante que agora se aproximava de Beatriz. Ela, por sua vez, virou-se para mim e, com um olhar sereno e cheio de encorajamento, indicou que eu deveria me preparar para o que viria a seguir. Sentindo o peso da expectativa, reuni minhas forças, consciente de que estava prestes a ser testado.
“E agora, o que é a fé?” — a voz ecoou, clara e poderosa. Levantei a cabeça, sentindo o calor da luz que me interrogava. Meu coração disparou. Eu sabia que essa pergunta exigia de mim uma resposta completa, algo que demonstrasse meu entendimento e minha crença mais profunda. Respirei fundo e comecei, como se uma nascente de dentro de mim fosse jorrando palavras: “A fé é a substância das coisas que esperamos e a prova das coisas que não vemos”, disse, repetindo as palavras sagradas, enquanto a clareza se formava em minha mente.
A voz, satisfeita, ecoou novamente, desta vez com um tom de aprovação: “Correto. Agora me diga, por que ela é colocada entre as substâncias e os argumentos?” Reunindo minhas reflexões sobre as profundezas das coisas divinas, respondi: “Porque o que contemplamos aqui, nesta vida abençoada, permanece oculto para os olhos mortais; assim, o que acreditamos baseia-se unicamente na fé, e dessa crença surge a esperança.”
A resposta foi recebida com um novo coro de aprovação. Eu podia sentir uma onda de paz me envolvendo enquanto a luz ao meu redor cintilava com mais intensidade. Era como se cada palavra que eu pronunciasse estivesse sendo pesada e aprovada por essa corte celestial, que esperava ansiosa por mais.
“Mas agora”, continuou a voz, “diga-me, essa fé que carregas em teu coração, de onde ela te veio?” Minha resposta foi quase automática, pois eu sabia a verdade que pulsava dentro de mim: “Foi o Espírito Santo que, com sua chuva abundante, me fez compreender a verdade, tanto pela lei antiga quanto pela nova, e todos os seus ensinamentos apontaram-me para isso.”
O círculo de luz reagiu imediatamente, girando em um movimento alegre e ressonante. “Se todos entendessem as verdades da fé como tu agora, não haveria lugar para enganos ou sofismas neste mundo”, declarou a voz com uma certeza calorosa. Eu me senti profundamente conectado com essa sabedoria, como se as dúvidas que por tanto tempo atormentaram minha alma tivessem finalmente sido dissipadas. O teste, no entanto, ainda não estava completo. “Agora me diga, o que te faz acreditar que essas verdades são de fato divinas?”
Mais uma vez, minha resposta emergiu com a clareza de uma revelação: “As obras que seguiram essas palavras, os milagres, são prova suficiente de sua veracidade. Nenhuma força natural poderia ter causado o que testemunhamos.” A voz, mais intensa, replicou: “Mas como sabes que essas obras realmente aconteceram?” Esse questionamento atingiu-me de surpresa, mas logo compreendi a profundidade da pergunta. Respondi com a convicção que me guiara até ali: “O próprio fato de que o mundo se converteu ao cristianismo, sem que haja milagres posteriores tão impactantes, já é prova suficiente da verdade que os precedeu.”
E, com essas palavras, senti uma leveza tomar conta do ambiente, como se o próprio espaço ao nosso redor estivesse celebrando a sabedoria proferida. Um cântico começou a ressoar pelas esferas, uma melodia divina, elevando louvores a Deus, enquanto as almas ao meu redor se moviam em uma coreografia celestial de luzes. O canto ecoava através de todas as esferas, cada vez mais forte, até que o brilho à minha frente se aproximou mais uma vez.
A voz retomou, desta vez com uma ternura indescritível: “Agora, declara aquilo que crês, e diga-me o motivo pelo qual acreditas.” Sentindo a pressão dessa última pergunta, voltei-me para aquela luz, e com o coração aberto, comecei: “Eu creio em um Deus único e eterno, que move o céu e a terra, mas que Ele próprio não é movido, pois Ele governa com amor e desejo. E creio que este Deus é uma essência em três pessoas, tão unidas e tão trinas que coexistem em uma só.”
Mal terminei de pronunciar minhas crenças, e a luz diante de mim resplandeceu ainda mais, circundando-me três vezes em uma dança de bênçãos e cânticos, como se o próprio apóstolo tivesse aprovado o que eu dissera. Sentindo-me elevado, em completo êxtase, percebi que meu caminho estava sendo iluminado não apenas pelo conhecimento, mas pela fé pura e inabalável.