Canto XXIII
Descem Cristo e Maria no meio de anjos e almas bem-aventuradas. Cristo, porém, logo desaparece; e o arcanjo Gabriel, em forma de chama, coroa Maria. Depois, Maria sobe ao Empíreo, reunindo-se ao seu divino Filho.
A sensação de estar imerso naquela luz indescritível era ao mesmo tempo assombrosa e transformadora. Eu observava Beatriz, sua figura imóvel e vigilante, como um pássaro no ninho, esperando ansiosamente pelo amanhecer. Seus olhos refletiam uma antecipação silenciosa, como se todo o universo se movesse para aquele momento específico. Ela olhava fixamente para o horizonte, onde o céu começava a clarear, e eu, tomado por sua presença, só conseguia aguardar em expectativa. Algo estava prestes a acontecer.
De repente, como se o próprio tempo tivesse dado um salto, o céu brilhou mais intensamente, como se todas as estrelas resolvessem se alinhar e se fundir em uma única luz. Beatriz, com a calma de quem compreende os segredos dos céus, virou-se para mim e, com uma voz carregada de significado, disse: “Veja, as legiões triunfantes de Cristo se aproximam, o fruto da jornada dessas esferas celestes.”
Era como se seu rosto inteiro tivesse se iluminado por dentro. Havia uma alegria que transcendia qualquer expressão humana, seus olhos transbordavam de uma felicidade divina que me atingia em cheio. Eu estava diante de algo tão vasto, tão incompreensível, que qualquer tentativa de captá-lo era inútil. Como um reflexo distante da lua, vi uma imensidão de luzes cintilando no céu, todas emanando de um único ponto luminoso, como se fossem alimentadas por uma fonte de vida superior. Era uma visão que o próprio sol, na sua grandiosidade, seria incapaz de rivalizar.
Beatriz, minha doce guia, sempre tão firme e compreensiva, disse: “Aquilo que te cega agora é a essência da sabedoria e do poder que ligou a terra ao céu. Aquele por quem a humanidade esperou por tanto tempo.” Sua voz soava como uma lembrança reconfortante, um lembrete de que eu estava seguro, apesar da vastidão à minha volta.
Minha mente, assim como a luz que agora se espalhava, sentia-se expandida além de seus próprios limites. Era como se eu estivesse deixando de ser eu, atravessando para uma realidade onde meus pensamentos já não me pertenciam. E, no entanto, mesmo nesse estado, ouvi sua voz me chamando de volta, com a mesma ternura que uma mãe usa para despertar um filho de um sono profundo. “Abra seus olhos,” ela me instruiu suavemente. “Agora você pode ver o suficiente para suportar a visão do meu sorriso.”
Ainda atordoado, como alguém que acorda de um sonho e tenta desesperadamente segurar as últimas imagens, forcei meus olhos a se abrirem, tentando capturar a vastidão do que estava diante de mim. Mas mesmo com toda a beleza celestial ao meu redor, a luz do sorriso de Beatriz era intensa demais. Aquilo que eu tentava trazer de volta à minha memória fugia de mim, como se estivesse sempre além do meu alcance.
E então, enquanto eu ainda lutava para absorver tudo, sua voz, carregada de compaixão, soou novamente. “Por que você está tão fixado em meu rosto? O que o amor pelo meu sorriso te impede de ver? Há algo mais para observar. Olhe para o jardim abençoado, onde os raios de Cristo fazem florescer a mais bela das rosas, onde o Verbo Divino tomou carne.”
Ela tinha razão. Mesmo tomado pela magnificência de sua presença, não pude deixar de me virar para contemplar aquilo que ela me apontava. Era uma visão ainda mais esplendorosa, uma legião de luzes ardentes, como estrelas em um céu sem fim, irradiando glória e poder. No centro delas, a rosa celestial florescia em uma explosão de luz. E no perfume daquela rosa, compreendi que todo o caminho até ali tinha sido guiado por esse destino, pela promessa de redenção e pela busca de algo que transcende a vida terrena.
E como se a própria natureza tivesse se curvado diante daquela visão, ouvi um coro ressoar pelos céus, a melodia mais pura que meus ouvidos já escutaram. O nome de Maria ecoava em cada nota, tão suave e doce que tudo ao meu redor parecia ser tocado por sua graça. Não havia mais escuridão. Todo o meu ser estava agora preenchido por aquela luz, aquela música. Era o ápice da jornada, o triunfo de tudo o que se havia prometido.
No entanto, a sensação de estar no limiar de algo maior, de estar à beira de um entendimento que ainda me escapava, permanecia. Como um bebê que estende os braços para a mãe após ser alimentado, eu estendi minha alma para aquilo que não conseguia compreender totalmente, mas que sabia ser o fim de todos os desejos.