Canto XXII

Outros espíritos bem-aventurados aproximam-se do Poeta, entre eles São Bento, o qual lhe indica alguns de seus santos companheiros; depois, lamenta profundamente a corrupção da ordem por ele fundada. Sobe, daí, o Poeta à oitava esfera, que é a das Estrelas Fixas.


O peso da maravilha que tomou conta de mim era avassalador. Me voltei imediatamente para Beatriz, minha guia, com o coração disparado, como uma criança assustada que busca conforto nos braços maternos. Seus olhos, sempre atentos, encontraram os meus, e ela sorriu com uma ternura que acalmava até a alma mais perturbada. Sua voz, firme e reconfortante, rompeu o silêncio como uma mãe que acode o filho pálido e ofegante: “Não percebes que estás no Céu? Não sabes que o Céu é sagrado e que tudo o que acontece aqui vem de um zelo divino?”

As palavras dela me fizeram sentir pequeno diante da magnitude do lugar onde eu me encontrava. A música celestial que havia soado tão poderosa logo antes parecia ter me transformado profundamente, e agora, ao lembrar do impacto que aquele cântico havia tido sobre mim, a compreensão começou a se formar. Beatriz continuou, com a clareza que sempre me trazia de volta à razão: “Se tivesses escutado atentamente os pedidos que se fizeram naquele grito, já saberias da justiça que testemunharás antes de tua morte.” Havia uma inevitabilidade em suas palavras, como se a espada da justiça estivesse pronta para cair no momento exato, nem antes, nem depois, conforme o plano divino. “Agora,” ela me instruiu com suavidade, “olha em volta de novo, pois te aguarda uma visão de espíritos ilustres, e é tempo de contemplá-los.”

Com o coração ainda palpitando, fiz como ela pediu. Meus olhos captaram uma cena deslumbrante: um conjunto de cem pequenas esferas brilhantes, irradiando luzes que se refletiam umas nas outras, intensificando sua beleza a cada instante. Meus pensamentos estavam dominados pelo desejo de compreender tudo aquilo, mas algo me impedia de perguntar, talvez o temor de que a resposta fosse grande demais para ser absorvida naquele momento. No entanto, uma dessas esferas, a mais brilhante entre todas, se aproximou de mim, como se para atender minha vontade não expressa. De dentro dela, uma voz soou clara e acolhedora: “Se pudesses ver o amor que arde entre nós, compreenderias nossos pensamentos com perfeição. No entanto, para que não te demores em teu caminho, responderei à pergunta que habita teu coração.”

Aquela entidade, que irradiava uma sabedoria antiga, começou a falar sobre o Monte Cassino, outrora frequentado por pessoas iludidas e desorientadas, até que ele, o espírito agora diante de mim, havia trazido o nome de quem trouxe a verdade à Terra. Era São Bento, o próprio, que havia libertado as aldeias circundantes da idolatria que seduzia o mundo. Com humildade, ele descreveu como conduziu suas orações e sua fé, e como outros, como ele, haviam sido acesos por aquela mesma chama divina, homens que dedicaram suas vidas à contemplação do sagrado. “Aqui estão Macário, Romualdo, e muitos outros irmãos meus que, dentro dos mosteiros, mantiveram firmes os pés e o coração inabalável.”

A emoção que me dominava era imensa, e o calor de suas palavras ampliava minha confiança, como o sol que faz a rosa desabrochar ao máximo de sua potência. Não pude evitar perguntar, mesmo com o temor de não ser digno: “Pai, será que posso obter tamanha graça de ver-te com a face descoberta?” Ele sorriu, mas suas palavras foram diretas: “Irmão, teu desejo mais elevado será cumprido na última esfera, onde todos os desejos encontram sua plenitude.”

Suas palavras revelavam uma compreensão mais profunda do universo do que eu era capaz de alcançar, mas a ideia de que o caminho para a perfeição ainda estava adiante me enchia de esperança. Enquanto ele continuava a falar sobre o estado atual de seu legado, descrevendo como a pureza inicial de sua ordem havia se corrompido com o tempo, minha mente viajava. A realidade que ele pintava era de mosteiros que haviam se tornado cavernas, de corações que antes ardiam pela fé e agora estavam consumidos por ambição e vaidade. “O fruto que faz o coração dos monges tolo é mais prejudicial do que qualquer usura,” ele afirmou, com tristeza evidente.

Seus lamentos sobre a degeneração dos valores sagrados me afetaram profundamente, e quando ele voltou para seu lugar entre as almas iluminadas, senti como se um vazio fosse deixado no ar. No entanto, a força invisível de Beatriz me empurrou gentilmente para cima, em direção à escada celestial, superando qualquer limite de minha natureza mortal. A velocidade com que ascendi era inimaginável para qualquer movimento terreno, e enquanto nos elevávamos pelas esferas, cada uma mais sublime que a anterior, Beatriz me alertou: “Estamos perto da tua salvação final. Prepara teu espírito.”

Ao olhar para baixo, obedecendo ao seu pedido, vi o globo terrestre, pequeno e insignificante, e não pude evitar um sorriso. O que antes parecia o centro de toda a existência, agora me parecia uma coisa ínfima e vulgar. Compreendi, finalmente, o verdadeiro valor das coisas, e as preocupações mundanas não tinham mais qualquer poder sobre mim. Os sete planetas e suas órbitas me revelaram sua grandeza, suas velocidades, suas distâncias; tudo se encaixava como uma orquestra divina, cada parte no lugar exato.

E quando voltei meu olhar para o alto, para os olhos luminosos de Beatriz, sabia que estava preparado para o que viria.