Canto II

Sobem à Lua. Exortação aos leitores. Dante pergunta a Beatriz se as manchas da Lua dependem da maior ou menor densidade do astro. Beatriz confuta o erro. Todos os astros são iluminados pela virtude que, do primeiro móvel, se difunde aos céus sotopostos. Na Lua, a virtude é menor que nos outros céus.


O sol já estava no horizonte, lançando seus últimos raios antes de se render à escuridão. Eu, imerso em meus pensamentos, mal conseguia acreditar no que estava prestes a enfrentar. Sentia como se estivesse em uma pequena embarcação, frágil, flutuando sobre um oceano vasto e desconhecido.

— Aqueles que seguem atrás de mim — pensei, — devem ter cuidado. As águas que estou para navegar nunca foram percorridas por outros.

Sabia que muitos poderiam se perder nesse caminho, mas eu estava confiante. Minerva sussurrava em minha mente, e Apolo iluminava meus passos com clareza divina. As nove musas guiavam minha jornada, e meu espírito estava pronto para alcançar alturas inimagináveis.

Me vi diante de um grupo seleto — almas que, como eu, haviam provado o pão dos anjos. Alimentavam-se de algo que não saciava completamente suas almas, mas que ainda assim as mantinha firmes no caminho para o céu.

— Vocês, poucos e escolhidos — pensei, — podem seguir adiante nas águas profundas, pois o caminho que trilho foi traçado para aqueles que já levantaram os olhos para as estrelas.

Enquanto navegávamos, a imagem de Jasão, o herói que conquistou o Velocino de Ouro, cruzou minha mente. Ele, como tantos outros antes de nós, não fazia ideia da grandiosidade do que estávamos prestes a vivenciar. Mas Beatriz, minha guia, estava ali. Sentia sua presença ao meu lado, olhar fixo no céu. A força do seu espírito me empurrava adiante como uma corrente invisível, rápida e certeira. Ela era minha âncora e minha bússola.

De repente, fui transportado para um lugar de beleza indescritível. Uma luz intensa envolveu meu corpo, me fazendo sentir como se estivesse atravessando um diamante perfeito — cortado de tal forma que refletia o sol de mil maneiras. Aquela luz, penetrante e absoluta, me acolheu como a água acolhe um raio de sol, sem se dividir. Era uma sensação de completude, mas também de profunda transformação.

Uma pergunta me inquietou: se eu ainda era um corpo, como podia estar ali? Como podia existir naquele espaço onde as leis da física não se aplicavam? Minha alma ardia pelo desejo de entender essa união entre o humano e o divino — esse laço entre minha natureza mortal e algo tão vasto quanto Deus.

— Você verá — pensei, — tudo o que sempre acreditamos, tudo o que a fé prometeu, será revelado de forma clara, sem sombra de dúvida, como a verdade que sempre soubemos no fundo da alma.

Olhei para Beatriz e perguntei:

— Senhora, o que são aquelas manchas escuras que vejo nesse corpo celestial? São elas que, lá na Terra, fazem com que contem histórias sobre Caim?

Ela sorriu com paciência, como quem carrega mais respostas do que pretende revelar.

— Se os mortais se enganam — respondeu, — é porque os sentidos são limitados, e a razão, que deveria guiá-los, muitas vezes falha em seguir adiante. Mas não deixe que essas dúvidas te atormentem. Diga-me: o que você pensa dessas marcas?

Refleti por um instante e respondi:

— Acredito que o que vejo aqui em cima é causado pelas diferenças entre corpos densos e rarefeitos.

Beatriz balançou a cabeça, ainda sorrindo, mas agora com os olhos iluminados por uma sabedoria clara.

— Seu raciocínio, embora lógico, está longe da verdade. Ouça com atenção, e verá que as diferenças que percebe não se explicam assim.

Ela continuou falando. Cada palavra parecia abrir um véu diante dos meus olhos. Explicou as estrelas e os corpos celestes, os princípios que os regiam, as forças invisíveis que os faziam brilhar de formas distintas. Então sugeriu um experimento:

— Pegue três espelhos — disse, — e posicione-os de modo que um fique mais distante que os outros dois. Coloque uma luz atrás de você e observe como ela se reflete em cada um deles. Vai perceber que, mesmo que a luz esteja longe, o brilho refletido será o mesmo.

A explicação começou a fazer sentido. Ao me afastar da compreensão terrena, eu começava, enfim, a entender as leis celestes que governavam tudo.

— A luz que você vê — ela continuou, — não varia por causa de densidade ou rarefação. Essas diferenças vêm da essência divina, da fonte de onde tudo emana.

As palavras de Beatriz ecoavam em mim, e a verdade se revelava aos poucos, clara como a própria luz que nos envolvia. O universo não era regido por simples leis físicas, mas por algo muito mais profundo — algo que, só agora, eu começava a compreender.