Canto XIV

Beatriz pergunta a um espírito celeste, em nome de Dante, se depois da ressurreição dos corpos permanecerá a luz que emana de suas almas e se essa luz não prejudicará a sua vista. O espírito responde que, depois da ressurreição, a vista dos espíritos aumentará. Aparecem novos espíritos. Sem perceber, Dante encontra-se no planeta Marte, onde estão aqueles que defenderam com as armas a religião cristã. Aí, o aspecto do céu vence toda beleza passada, porque quanto mais se sobe, mais cresce o esplendor dos céus.


Os raios de luz se moviam em círculos à nossa volta, como ondas em um lago calmo quando uma pedra o toca. Cada alma brilhava intensamente, sua luz refletindo a pura essência do Paraíso. O som das palavras de Tomás ainda ressoava em minha mente, assim como as lições de Beatriz que, com a mesma suavidade e força, continuava a guiar meus pensamentos. Era como se suas palavras tivessem sido tecidas em harmonia, fazendo com que a verdade se desvelasse de maneira ainda mais clara para mim.

O ar ao nosso redor vibrava, como se o próprio tecido do universo estivesse pronto para revelar outro segredo. Foi então que, sem necessidade de palavras, algo em mim ansiava por mais. Como se eu estivesse sendo conduzido, meus pensamentos procuraram uma nova resposta, uma nova raiz para a verdade. Queria entender se a luz que cercava as almas gloriosas permaneceria com elas para sempre, ou se, de alguma forma, essa glória seria obscurecida quando voltassem a ter corpos.

A pergunta não precisou ser feita. Beatriz, como sempre, antecipava minhas dúvidas. E assim, como uma onda de alegria em um coro celestial, as almas ao nosso redor responderam. O círculo ao nosso redor tornou-se ainda mais brilhante, com uma nova alegria percorrendo cada um dos santos que nos cercavam. Eles cantavam com tal intensidade que suas vozes pareciam carregar o próprio peso da eternidade.

Uma voz, suave e modesta, se destacou. Era tão suave quanto a saudação do anjo a Maria, e nela senti a tranquilidade de quem conhece o destino glorioso que o espera. “Enquanto durar a festa do Paraíso”, disse ela, “nossa luz, nossa vestimenta gloriosa, continuará a brilhar, seguindo o amor que sentimos. Quanto mais próximo estivermos de Deus, mais intensamente veremos, e quanto mais virmos, maior será nossa luz.”

Eu podia sentir o poder dessas palavras. Elas dançavam em minha mente, enquanto a visão do que ainda estava por vir se tornava mais clara. Assim como uma chama que consome o carvão e o transforma em pura luz, os corpos glorificados, quando retornassem, apenas aumentariam a glória da luz. E não haveria sofrimento ou fadiga com tamanha luminosidade, pois os corpos, revestidos da glória divina, estariam preparados para suportar todo prazer que lhes fosse concedido.

As palavras ressoavam em meu coração, mas não apenas por mim. Havia um anseio em todos ao redor – uma esperança que transcendia a sua própria redenção. Eles ansiavam pelos seus entes queridos, aqueles que deixaram para trás no mundo mortal, e cujo destino ainda estava nas mãos da Providência.

De repente, uma nova luz surgiu, como o horizonte que clareia com o nascer do sol. Olhei ao redor e percebi novas essências que apareciam e giravam ao redor dos círculos que já conhecia. A pureza dessa luz me cegou por um breve momento. Minha visão foi inundada de uma brancura tão intensa que não pude continuar a olhar, mas Beatriz estava ao meu lado, sua beleza ainda mais radiante que antes, e com seu sorriso me reconfortou, permitindo que eu recuperasse minhas forças.

Quando meus olhos se ajustaram, percebi que estávamos mais altos, em uma nova esfera, um novo nível de bem-aventurança. O calor e o brilho da estrela acima de nós eram diferentes, mais intensos do que qualquer coisa que eu já havia sentido. E então, com todo o meu ser, me voltei para Deus em um sacrifício de gratidão, oferecendo-lhe meu coração com a linguagem universal do amor.

Mas antes que pudesse terminar meu ato de devoção, uma visão magnífica se revelou diante de mim: duas luzes radiantes, cruzadas, cintilando como os braços de uma cruz celestial. O esplendor dessas luzes era tal que mal conseguia olhá-las, e naquele brilho, senti a presença de Cristo, a cruz lampejava com a sua glória. Em meio ao deslumbramento, vi luzes se movendo de um lado para o outro, unindo-se e separando-se, como notas que se encontram em uma melodia perfeita.

A música que emanava dessas luzes era tão sublime que, embora não pudesse entender as palavras, sabia que eram louvores altíssimos. As palavras “Resurgi” e “Vinci” ressoavam em meus ouvidos como se fossem sussurradas diretamente ao meu coração. Aquele som, aquela visão, me encheram de um amor tão profundo que nunca havia experimentado antes. Eu estava completamente envolto nessa luz, nesse amor, e por um momento, tudo o que eu era, tudo o que eu havia sido, parecia ser pequeno comparado ao imenso prazer e glória que me rodeavam.

Eu sabia que, ao descrever isso, minhas palavras poderiam soar ousadas demais, mas havia uma verdade inescapável naquele momento: nada no mundo poderia me prender tanto quanto essa visão, nem mesmo os olhos belos de Beatriz, que tanto haviam guiado meu desejo. A beleza verdadeira, a que transcende todas as outras, estava ali, no ascendente, sempre mais pura, sempre mais próxima de Deus.

E assim, com a mente ainda fixada nessa visão, continuei a minha jornada para o Divino, sabendo que, a cada passo, me aproximava mais do centro da verdade eterna.