Canto XIII

O Poeta descreve a dança das duas coroas de espíritos celestes. S. Tomás resolve a segunda dúvida de Dante. Adão e Jesus Cristo são seres perfeitíssimos por serem obra imediata de Deus. Mas ele não pode ser comparado nem a Adão nem a Jesus Cristo. Conclui o Santo advertindo sobre o perigo dos juízos precipitados e de quanto é sujeito a enganar-se quem julga as coisas pelas aparências.


Os ventos sopravam frios quando entramos naquele reino de luz. O cenário ao meu redor era um espetáculo de estrelas, brilhando com uma clareza que nunca havia experimentado antes. Elas cintilavam no céu como joias que não pertenciam ao nosso mundo, mas que ainda assim, de alguma forma, comandavam o nosso destino. Quinze estrelas dominavam a vastidão celestial, espalhadas pelas diferentes regiões do firmamento, e cada uma delas parecia respirar serenidade. Era como se o universo inteiro estivesse aguardando em silêncio, observando cada movimento nosso, enquanto o carro celeste que carregava o firmamento continuava seu ciclo, sem jamais falhar, sua rotação implacável e precisa.

No centro desse teatro cósmico, algo chamava minha atenção — o brilho incomum de uma constelação, como se duas figuras celestes se sobrepusessem em um espetáculo de dança. As estrelas dançavam ao redor de um ponto fixo, desenhando no céu um símbolo, um mapa para algo além da compreensão imediata. Não era um espetáculo comum, mas uma dança de corpos celestes, cada movimento meticulosamente calculado, como se o próprio tempo tivesse parado para assistir. Havia uma conexão profunda entre o que eu via e o que eu sentia. Era como se o próprio céu estivesse tentando me contar uma história, e eu estava determinado a entender o que ele queria dizer.

E então, o canto começou. Não era o louvor a um deus antigo, não era um cântico de Baco ou Peã, mas um hino ao mistério da Trindade — três em um, um em três, a união divina que transcende o entendimento humano. As vozes dos seres celestiais encheram o ar, uma harmonia perfeita que ressoava em minha alma. O cântico era ao mesmo tempo humilde e majestoso, envolvendo cada uma das luzes que brilhavam ao nosso redor. Era uma sinfonia de divindade, e eu me sentia pequeno, mas acolhido, como se cada nota me convidasse a participar de um entendimento maior.

Quando o canto cessou, uma das luzes mais radiantes rompeu o silêncio, como se estivesse esperando por este exato momento para falar. Era a luz que havia testemunhado a vida de São Francisco, o pobre de Assis, cujas ações ainda reverberavam no cosmos. Com uma voz suave, mas cheia de poder, a luz falou de amor, sabedoria e da redenção que a humanidade sempre busca, mesmo nas horas mais escuras. “Você acredita”, começou a luz, “que o peito do qual foi retirada a costela para criar o rosto que trouxe ao mundo um custo tão alto, e aquele que foi perfurado pela lança e satisfez tanto antes quanto depois, tinha em si toda a luz que é possível à natureza humana alcançar?”

Aquela pergunta reverberou em mim. O que eu acreditava? Eu havia visto tanto, aprendido tanto desde o início desta jornada, mas mesmo assim, a questão parecia cavar mais fundo. A luz continuou, explicando que o esplendor que eu via ao meu redor, tanto o que podia perecer quanto o que era eterno, era apenas um reflexo, um lampejo da grande ideia que nascia do amor divino. A criação, ela dizia, era um reflexo da bondade divina, e essa luz se desdobrava em diferentes formas, descendo de ato em ato até se tornar algo tão fugaz quanto os eventos que moldam o mundo mortal.

Ela explicou que tudo ao nosso redor, toda a criação, era moldada por uma ideia superior, mas que, como o trabalho de um artista cujas mãos tremem, a natureza nunca é capaz de reproduzir essa perfeição em sua totalidade. A cera, como ela chamou, nunca é tão perfeita quanto poderia ser, e é por isso que, em uma mesma espécie, alguns são mais sábios, outros mais tolos. Eu sabia que havia sabedoria nessas palavras, sabedoria além da minha compreensão imediata, mas algo nelas ressoava, uma verdade oculta que eu ainda estava aprendendo a ver.

O diálogo se aprofundou quando a luz falou da perfeição da humanidade em dois momentos: no primeiro homem e na Virgem Maria. Eram exemplos de como a natureza, em sua maior pureza, poderia refletir toda a luz do Criador. E então, ela lançou a pergunta que eu sabia que viria: “Se foi assim, como poderia alguém ter sido criado sem igual, sem par, como Salomão?” Eu percebi que, embora a pergunta parecesse simples, a resposta escondia camadas de significado que eu precisaria desvendar.

A luz então explicou que Salomão não havia pedido conhecimento trivial, mas sabedoria real, aquela que torna um rei capaz de governar com justiça. Ele pediu o que era necessário para sua função, para seu papel no grande esquema divino. Não era para saber os segredos dos céus ou o número de motores que movem o cosmos, mas para entender o que era necessário para liderar seu povo com retidão. Essa era a sabedoria verdadeira, a prudência real que guia os grandes líderes, e era isso que Salomão havia alcançado.

Eu ouvi com atenção, absorvendo cada palavra como uma lição crucial para minha jornada. A luz então falou sobre o perigo de julgar com pressa, de acreditar que podemos ver o destino de alguém apenas por suas ações imediatas. Ela me lembrou de como os espinheiros mais rígidos podem florescer com rosas e de como os navios mais rápidos podem naufragar ao entrar em um porto. As aparências, ela alertava, muitas vezes enganam, e só o conselho divino pode ver o que está além da superfície.

Enquanto a luz falava, eu senti um peso em minhas palavras, um chamado à cautela. Havia muito mais para aprender, muito mais para ver, mas agora eu sabia: o caminho adiante exigia mais do que sabedoria intelectual; exigia prudência, paciência e, acima de tudo, fé no que não posso ver. O destino, eu percebia, era uma dança complexa, assim como as estrelas que haviam me guiado até ali. Eu estava no meio dessa dança e, pela primeira vez, comecei a entender a música.