Canto XII
Acabando São Tomás de falar, ajunta-se à primeira coroa de doze espíritos resplendentes mais uma coroa de igual número de espíritos. Um destes, São Boaventura, franciscano, tece louvores a São Domingos. Depois, dá notícia acerca dos seus companheiros.
Enquanto avançava pelo caminho divino, mal tive tempo de digerir as palavras da chama sagrada que acabara de se calar, quando, de repente, um movimento surpreendente se desenrolou diante de mim. Um círculo de luz começou a girar ao meu redor, como se o próprio cosmos estivesse orquestrando uma dança celestial. A velocidade e o ritmo eram tão precisos, tão belos, que me senti envolvido por aquela energia, e antes que pudesse sequer compreender o alcance do fenômeno, um segundo círculo surgiu, fechando-se ao redor do primeiro. Cada movimento dos dois círculos estava perfeitamente alinhado, como se um espelhando o outro, em sincronia completa, suas melodias entrelaçadas em uma harmonia que ultrapassava qualquer som que já tivesse ouvido na Terra.
Aquele canto divino ressoava com uma força e pureza que superavam em muito qualquer criação humana, mais belas que qualquer musa que eu pudesse imaginar. Era como se eu estivesse presenciando uma arte superior, uma criação sonora que refletia a luz primordial, uma luz que envolvia tudo ao meu redor.
Esses arcos de luz, paralelos e com cores idênticas, lembravam os arco-íris que surgem após uma tempestade, símbolos da paz que se estabelece entre os céus e a Terra, enviados por Juno, a deusa que ordena esses fenômenos. Eram sinais de uma aliança divina, como o arco que Noé viu após o dilúvio, uma promessa eterna de que o mundo jamais seria destruído novamente pelas águas. Ali, à minha volta, giravam esses círculos eternos, coroas de luz que respondiam uma à outra, dançando em um diálogo silencioso, como se fossem flores imortais enlaçadas em uma coroa celestial.
Quando esse espetáculo de luz e música atingiu seu ápice, ambos os círculos se aquietaram. O movimento cessou em uma calma perfeita, como se os próprios olhos do céu se fechassem em um momento de descanso, prontos para se reabrirem no próximo chamado da vontade divina. O silêncio que se seguiu foi profundo, mas logo foi rompido pela voz clara e ressonante que emanava de uma das luzes.
A voz, que parecia guiar meu espírito como uma bússola aponta para a estrela do norte, começou a falar. “O amor que me torna bela me leva a contar sobre outro líder, cujo nome é honrado aqui.” As palavras que ela pronunciava eram como um eco distante de um passado sagrado, cheio de significados e histórias de redenção. “É digno que, onde um é mencionado, o outro também seja, pois juntos lutaram pela mesma causa e, juntos, sua glória deve brilhar.”
Ela então começou a narrar sobre o exército de Cristo, que, em tempos de desespero e incerteza, movia-se lentamente, com desconfiança, até que o Imperador eterno, por pura graça, não por mérito, socorreu sua Igreja. Dois campeões foram enviados para reunir o povo disperso, dois líderes cujas ações e palavras trouxeram o rebanho de volta ao caminho da verdade.
Uma dessas figuras nasceu em Calaroga, sob a proteção do grande escudo que exibe um leão. Este santo guerreiro, feroz contra os inimigos, mas gentil com os seus, foi um verdadeiro defensor da fé cristã. Seu espírito foi preenchido com tanta virtude desde o nascimento que, ainda no ventre de sua mãe, ele já havia sido profetizado. No dia de seu batismo, um nome foi dado a ele, um nome que refletia sua missão e destino: Domênico, como o agricultor escolhido por Cristo para trabalhar em sua vinha celestial.
Desde cedo, Domênico demonstrou ser um servo fiel de Cristo. Sua primeira paixão foi seguir os ensinamentos do Mestre, dedicando-se inteiramente ao que o Cristo havia proposto. Com o passar dos anos, ele tornou-se um grande doutor da fé, lutando contra as heresias que ameaçavam a Igreja. Seu impacto foi como um rio impetuoso, purificando os terrenos contaminados por falsas doutrinas e irrigando a vinha de Cristo, de modo que os arbustos da fé pudessem florescer mais vivos do que nunca.
A voz pausou por um momento, e senti a força de sua história vibrando ao meu redor. Mas, assim como uma roda sempre tem duas partes, ela logo voltou a falar sobre outro líder, um que, como Domênico, também guiou a Igreja. Tomás de Aquino, cujo saber era incomparável, havia sido cortês comigo antes de eu chegar a este ponto da jornada. Porém, sua ordem, que um dia seguira de maneira firme os passos de Cristo, agora estava tão desviada de seu caminho original que o que estava atrás tropeçava no que deveria estar à frente. A deterioração era tal que o fruto colhido dessa má condução logo se manifestaria.
A voz continuava, revelando que, se alguém ainda buscasse em seus livros, poderia encontrar os vestígios da grandeza original da ordem, mas os líderes atuais, vindos de Casale e Acquasparta, ou evitavam o verdadeiro ensinamento ou o distorciam para seus próprios fins. Ali, entre aquelas luzes, estava Bonaventura, cuja vida fora marcada por grandes obras e cujos ensinamentos foram um farol em tempos de escuridão. Ao seu redor estavam almas de outros santos e estudiosos, homens que dedicaram suas vidas a servir à verdade e à sabedoria divina.
Aquela narração ardente, repleta de devoção e discernimento, não apenas homenageava esses paladinos da fé, mas também me envolvia em uma teia de histórias, todas ligadas pelo fio inquebrável do amor e do sacrifício, unindo céus e Terra em uma dança de redenção e esperança.