Canto XI
Dante elogia a vida contemplativa. As palavras proferidas no canto anterior por S. Tomás criam duas dúvidas no ânimo do poeta. O santo, tratando de resolver a primeira, esboça a vida de S. Francisco de Assis.
A escuridão de minha ignorância se dissipava enquanto subíamos, Beatriz me guiava através do céu, e cada camada de luz que ultrapassávamos parecia dar mais clareza ao que antes era obscurecido. A vastidão celestial era deslumbrante, e a sensação de elevação não era apenas física, mas também espiritual, como se meu próprio ser estivesse sendo purificado a cada instante. No entanto, a mente humana é teimosa, e dúvidas persistiam em minha cabeça. Havia algo que eu ainda não compreendia completamente, algo que me inquietava.
Enquanto avançávamos, os espíritos ao nosso redor assumiam suas posições em um círculo de luzes gloriosas, que agora permaneciam suspensas no ar, como chamas imortais em candelabros divinos. Foi então que uma dessas luzes, brilhando com uma intensidade serena, voltou a falar, sua voz suave e cheia de sabedoria. “Eu vejo seus pensamentos”, disse ela, com um sorriso que parecia iluminar ainda mais sua presença etérea. “Vejo suas dúvidas, e sei que você deseja que minhas palavras sejam claras, abertas como o céu que nos envolve, de modo que seus pensamentos possam descansar.”
Aquelas palavras penetraram fundo em minha alma. Eu estava ansioso para entender, para absorver cada fragmento de conhecimento que esse espírito iluminado pudesse me oferecer. A luz continuou: “Você questiona o que eu disse antes sobre ‘onde a bondade floresce’ e ‘onde nunca houve outro igual’. Agora, permita-me distinguir isso para você.”
Suas palavras começaram a tecer uma narrativa sobre a providência divina que governa o mundo, explicando como Deus, em Sua infinita sabedoria, previu que a Igreja de Seu Filho necessitaria de guias. Dois homens foram escolhidos para serem os pilares da fé, dois líderes para orientar o caminho da Igreja: um seria um fervoroso embaixador da caridade, ardente como um serafim; o outro, uma luz da sabedoria, brilhante como um querubim. Embora ambos fossem dignos de elogios, o espírito decidiu falar mais profundamente sobre um deles, cuja vida foi marcada pela paixão e pela dedicação absoluta.
Foi então que ele me falou sobre Francisco, nascido em uma terra abençoada entre as águas do rio Tupino e as correntes que descem do monte de Ubaldo. A cidade que o viu nascer, Assis, deveria ser chamada de “Oriente”, tal era a magnitude da luz que emergia dela. Desde cedo, Francisco demonstrou virtude e força de caráter. Desafiou seu próprio pai e, em uma cerimônia solene, entregou-se ao serviço da Senhora Pobreza. Essa união, selada perante Deus e os homens, foi o começo de uma jornada extraordinária.
Com o passar do tempo, o amor de Francisco por sua amada, Pobreza, apenas se fortaleceu. E através dessa devoção, outros começaram a segui-lo. Bernardo, o primeiro a abandonar tudo por essa causa sagrada, tirou suas sandálias e correu atrás da paz que Francisco prometia. Acompanhando-o de perto, estavam Egídio e Silvestro, ambos prontos a abandonar a vida mundana e seguir o caminho da humildade.
Francisco, com sua pequena família de seguidores, espalhou a mensagem da simplicidade e do amor. Nada o deteve, nem mesmo a origem humilde, sendo filho de Pietro Bernardone. Ele apresentou sua visão ao Papa Inocêncio, que concedeu sua bênção para que o movimento crescesse. E assim, a ordem de Francisco se expandiu, levando luz e esperança por onde quer que fossem.
O espírito continuou a narrar a vida de Francisco, descrevendo como, em busca do martírio, ele viajou para terras distantes, pregando até mesmo diante do Sultão. No entanto, ao perceber que suas palavras não encontrariam eco ali, Francisco retornou à sua pátria. Nos últimos anos de sua vida, isolado nas montanhas entre o Tibre e o Arno, ele recebeu o estigma de Cristo, a marca final de sua santidade. E quando chegou a hora de sua partida deste mundo, ele deixou seu legado nas mãos de seus seguidores, recomendando que cuidassem de sua amada Pobreza.
Enquanto o espírito narrava essa história com tanto fervor, eu podia sentir o peso da jornada de Francisco e a importância de seu papel como farol de fé. Seus seguidores, embora inicialmente numerosos e fervorosos, aos poucos se distanciaram, atraídos por outros desejos. Apenas alguns poucos permaneceram fiéis, e isso era algo que o espírito lamentava profundamente.
“Mas,” continuou ele, “se você ouviu atentamente minhas palavras, se compreendeu o que foi dito, verá de onde vem a falha. E assim, compreenderá como corrigir a jornada, para que a bondade floresça mais uma vez.” As palavras finais do espírito ressoaram em meu coração, como um lembrete de que, mesmo em meio à decadência e ao erro, há sempre a esperança de redenção e correção. O caminho estava claro, e eu estava pronto para seguir adiante.