Canto X

Depois de admirar a infinita sabedoria de Deus na criação do universo, narra o poeta como, sem se aperceber, achou-se elevado ao Sol, onde estão as almas dos doutos na teologia. Doze espíritos mais reluzentes o circundam e um deles, São Tomás de Aquino, revela o nome dos seus companheiros.


A luz do sol refletia sobre minha pele, aquecendo-me enquanto me encontrava no ponto exato em que o movimento celeste e o terrestre se tocavam. A sensação era indescritível, uma mistura de paz e reverência, como se cada fibra do meu ser estivesse conectada a algo muito maior. Eu estava subindo, mas não percebia o movimento. Não como alguém que sobe degrau por degrau, mas como uma mudança sutil, quase imperceptível, que só se reconhece quando já se está em um novo estado. Ao meu lado, Beatriz, com seu olhar que sempre parecia enxergar além do horizonte, guiava-me mais uma vez pelas esferas celestiais. Ela, que era ao mesmo tempo minha guia e a personificação de algo divino, olhava para mim, e seu sorriso era como uma brisa suave que dissolvia qualquer preocupação.

“Agradece ao Sol dos anjos, que por sua graça te trouxe até aqui”, disse ela. Suas palavras ecoaram dentro de mim, e eu me senti tomado por uma devoção tão intensa que era como se meu coração se expandisse e se enchesse de luz. Beatriz, no entanto, não parecia ofendida pela minha absorção; pelo contrário, seu sorriso se alargou, e naquele breve momento, os seus olhos brilharam com um fulgor que parecia dividir minha mente em milhares de pedaços, como se cada parte fosse atraída por uma visão diferente do cosmos.

Aos poucos, vi luzes ao nosso redor, pequenos sóis que formavam uma coroa cintilante. Eles dançavam, movendo-se em torno de nós em um ritmo que lembrava as órbitas dos corpos celestes. Era como se o próprio universo estivesse celebrando algo muito além do que eu poderia compreender. E então, uma dessas luzes, brilhando mais intensamente que as outras, começou a falar. A voz era cálida e penetrante, e eu soube imediatamente que estava diante de alguém de sabedoria imensa.

“Quando o raio da graça divina atinge uma alma e o amor verdadeiro começa a florescer, esse amor se multiplica, iluminando o caminho que ninguém desce sem antes subir”, começou a voz. “Aquele que recusasse compartilhar essa iluminação, seria como água que se nega a correr para o mar.” Senti meu coração pulsar de empolgação e curiosidade, e a voz continuou: “Tu desejas saber quem são essas almas que adornam a coroa ao redor da dama que te guia ao céu. Eu fui um dos cordeiros do rebanho santo de Domingos, aquele que mostrou o caminho para o verdadeiro bem, e o que está à minha direita foi meu mestre e irmão, Alberto de Colônia. Eu sou Tomás de Aquino.”

Tomás de Aquino. O nome ressoou na minha mente como um sino distante, e imediatamente me senti transportado para um nível de compreensão mais profundo. Ele não era apenas uma figura distante da história, mas uma presença viva, brilhando com a luz do conhecimento. E ao redor dele, outras almas se faziam conhecidas, cada uma um ponto de luz cintilante, como estrelas no firmamento. Cada uma com uma história, um legado. Graziano, o grande legislador que ajudou a moldar a Igreja, sorriu para mim com serenidade. A alma de Pedro, o pobre que ofereceu sua riqueza à Santa Igreja, flamejava ao seu lado. E então, uma luz ainda mais intensa brilhou no centro de todas elas, irradiando uma sabedoria tão profunda que o mundo inteiro parecia ansiar por conhecê-la. “Essa é a alma de Salomão”, disse Tomás, apontando para a luz que brilhava com mais intensidade. “Nenhum outro homem foi abençoado com tanta sabedoria quanto ele.”

Olhei para essa luz, absorvendo cada palavra, sentindo como se estivesse sendo puxado para dentro de um mistério antigo, um enigma que apenas a alma poderia resolver. Mais figuras surgiram diante de mim, cada uma iluminada por uma chama interna que falava de sacrifício, sabedoria e redenção. E então, meu olhar foi atraído para outra figura, uma luz que parecia irradiar uma compreensão quase sobre-humana. “Esse é Sigieri”, continuou Tomás, “um homem que, mesmo em vida, foi assombrado por suas próprias descobertas, por verdades tão profundas que o mundo não estava pronto para ouvi-las.”

Eu me sentia pequeno diante de tais seres, mas ao mesmo tempo, uma estranha calma tomava conta de mim. Era como se, ao ouvir suas histórias e compreender suas jornadas, eu também fosse parte daquela teia divina que ligava todas as coisas. Cada alma aqui, cada ponto de luz, era um reflexo do plano eterno de Deus, uma parte de um todo que eu mal começava a entender.

E então, como o toque suave de um relógio celestial que chama a noiva de Cristo para o despertar da manhã, o coro de luzes ao nosso redor começou a se mover novamente. Elas giraram em torno de nós, como estrelas presas em órbitas fixas, suas vozes formando uma melodia tão suave e doce que era impossível para mim descrevê-la com palavras humanas. A harmonia dessas almas era uma dança, um reflexo do amor divino que permeava todo o cosmos, e enquanto elas se moviam, sentia-me sendo levado junto, não apenas fisicamente, mas espiritualmente, mais próximo do centro de tudo, mais perto da verdade.

E assim seguimos, Beatriz ao meu lado, seu olhar nunca deixando o horizonte, e eu, ainda perplexo, mas grato, por poder testemunhar uma fração da grandeza do Paraíso.