O que One Piece nos fala sobre respeito/inclusão?
Em muitas ocasiões, sobretudo em discussões nas redes sociais, percebo uma tentativa insistente de se forçar “militâncias” ou “pautas ideológicas” dentro de narrativas que, em essência, não têm nada a ver com isso. Um exemplo recente foi quando alguém compartilhou uma cena de One Piece onde Luffy se mostra animado ao ouvir sobre Ivankov, personagem descrito como “rainha dos travestis” em Impel Down. Rapidamente, a imagem foi usada para insinuar que a obra estaria promovendo uma visão “inclusiva” no sentido moderno e militante do termo. A mim, essa leitura parece uma distorção absurda do que Oda realmente quis transmitir.
O cerne da questão é simples: Luffy não se importa com rótulos, aparências ou títulos. Ele enxerga as pessoas pela essência do que são, não pelo que a sociedade impõe sobre elas. Esse é, de fato, o verdadeiro respeito — não dar a mínima para características que, em última instância, não definem o valor de alguém. O problema começa quando tentam transformar essa postura natural em uma narrativa militante de “inclusividade”, algo que descaracteriza a profundidade da mensagem original.
Respeitar alguém apenas porque se intitula como X ou Y é um erro. Isso não só banaliza o conceito de respeito como também perpetua a segregação. Afinal, se eu só valorizo uma pessoa porque ela pertence a determinado grupo ou adota certa identidade, eu automaticamente a reduzo a esse rótulo. O verdadeiro respeito está em tratar todos de forma igual, sem usar muletas identitárias para justificar o porquê. É isso que Luffy nos ensina com seu jeito direto e indiferente aos padrões sociais.
Quando digo que pautas segregam, não me refiro a uma negação da realidade de que existem problemas sociais. É óbvio que a sociedade é imperfeita e marcada por polarizações históricas. No entanto, insistir em “pautas” como solução definitiva é, no máximo, um paliativo. Trata-se de um tapa-buracos que oferece alívio momentâneo, mas mantém as pessoas presas a categorias que não deveriam ser centrais em suas vidas.
O verdadeiro problema não é a ausência de pautas, mas a falta de educação e consciência crítica. Uma sociedade bem formada, onde o indivíduo entende o valor da vida e da liberdade, naturalmente respeitaria seus semelhantes sem precisar de cartilhas ou bandeiras ideológicas. É aqui que reside a falha: ao colocar rótulos no centro das discussões, perdemos a oportunidade de olhar diretamente para o indivíduo e suas ações.
One Piece é uma obra que exemplifica isso de maneira magistral. Oda não construiu sua narrativa para servir a um programa político; ele criou um universo onde liberdade e amizade são os valores centrais. Quando Luffy acolhe Jinbe, ele não o faz por ser um homem-peixe que sofre preconceito. Ele o acolhe porque gosta dele, porque enxerga nele uma pessoa leal e honrada.
Por outro lado, Hody Jones também é um homem-peixe, vítima do mesmo sistema de discriminação, mas Luffy o rejeita e o derrota porque suas ações e sua essência são mesquinhas e violentas. Esse contraste desmonta por completo a leitura militante: não é o grupo, o rótulo ou a “pauta” que definem o valor de um personagem, mas sua postura como indivíduo.
Essa lição se repete em diversos pontos da obra. Zoro não se torna amigo de Luffy porque é espadachim; Sanji não é acolhido por sua origem nobre ou por cozinhar bem. Cada personagem é valorizado por quem é no âmago, e não por um título ou identidade. Isso mostra que a verdadeira mensagem de One Piece é a valorização do ser humano em sua individualidade, livre das amarras ideológicas.
Quando defendemos que pautas são necessárias, corremos o risco de acreditar que sem elas não haveria respeito. Isso é perigoso, porque condiciona a dignidade das pessoas a estruturas externas, em vez de fortalecer sua essência. Com o tempo, isso gera uma sociedade que não pensa por si mesma, mas apenas reage a slogans e bandeiras.
Defender a liberdade significa, portanto, defender também a liberdade de não precisar de rótulos para ser respeitado. Liberdade é ser visto como indivíduo, não como parte de um grupo a ser protegido. A verdadeira justiça só acontece quando olhamos para as pessoas pelo que elas fazem e são, não pelo que dizem ser.
Entendo que muitos defendem pautas acreditando estar fazendo o bem. E, de fato, a intenção é positiva: ninguém milita imaginando estar prejudicando alguém. Porém, uma boa intenção não garante bons resultados. Ao perpetuar divisões e criar hierarquias de identidades, corre-se o risco de alimentar exatamente aquilo que se diz combater: a segregação.
O mundo de One Piece nos lembra constantemente que os maiores inimigos da liberdade são os sistemas que tentam enquadrar as pessoas. O Governo Mundial, com suas leis opressoras e manipulações, representa justamente essa tentativa de controlar indivíduos por categorias e rótulos. Luffy, em contrapartida, simboliza o espírito indomável que recusa qualquer imposição e valoriza apenas a vida e a liberdade.
Portanto, quando vejo alguém tentar transformar a postura de Luffy em um discurso de “inclusividade militante”, percebo o quanto isso deturpa o sentido da obra. O que Oda nos ensina é algo muito maior: não precisamos de ideologias para respeitar as pessoas. Precisamos apenas de um olhar livre, capaz de ver além das aparências.
O valor de alguém não vem de um grupo ao qual pertence. Qualquer pessoa pode ser boa ou má, independente de ser homem, mulher, negro, branco, homossexual ou heterossexual. Rótulos não caracterizam moralidade nem definem caráter. Isso é algo que só a individualidade pode determinar.
No fim, o que desejo é que cada vez mais possamos pensar por nós mesmos, sem depender de discursos prontos ou ideologias polarizadoras. Que sejamos capazes de enxergar uns aos outros como indivíduos plenos, livres de amarras, e que possamos construir uma sociedade onde o respeito não nasce de rótulos, mas da vida em si. Essa é, sem dúvida, a maior lição que Luffy nos transmite.